A questão do direito (e dever) de um indivíduo desobedecer a uma lei se esta não for justa remonta aos tempos de Sócrates na Grécia antiga. O debate sobre a legitimidade ou a legalidade dos atos funde-se com questões sobre a justiça, o direito ou as obrigações políticas. A História está repleta de momentos de desobediência, como mais recentemente as campanhas contra as leis segregacionistas de Jim Crow, lideradas por Martin Luther King Jr., os protestos contra a guerra no Vietname ou a não-cooperação de Gandhi para com o império britânico.
Fréderic Gros, no seu recente livro "Desobedecer!", fala do problema dos indivíduos obedecerem às ordens impostas pelos dirigentes, implicando um aceitar da guerra, da fome, da pobreza e dos sistemas político-económicos que criam as desigualdades. Desta forma, o sentido de justiça fica perdido, assim como os nossos valores e a nossa moral.
É deste debate, entre moralidade e legalidade, que Miguel Duarte fala para descrever o julgamento da tripulação do Iuventa. O ativista português foi acusado de auxílio à imigração ilegal, pelas autoridades italianas em 2018, por ajudar a resgatar milhares de pessoas no Mediterrâneo. Estas operações de resgate revelam-se essenciais para salvar milhares de vidas, nesta que é considerada uma das rotas mais mortíferas do mundo, tendo causado mais de 24 mil mortes. O perigo inerente do mar alia-se às políticas imorais de controlo fronteiriço da UE, que através de milícias ligadas a grupos criminosos ou de equipamento securitário de ponta, intercetam e forçam as pessoas, que desesperadamente fogem de conflitos, violência e fome, de volta à Líbia, sendo detidas sob condições desumanas e vítimas de torturas, violência física e sexual, trabalho forçado, extorsão e morte.
Miguel foi ilibado, mas quatro elementos, incluindo membros dos Médicos Sem Fronteiras e da Save the Children, são acusados e enfrentam um julgamento que se prevê longo e injusto, arriscando uma pena de 20 anos de prisão por terem ajudado a salvar milhares de pessoas, vítimas de sistemas e políticas imorais. A Europa Fortaleza é "um sistema que nos rouba, a cada um de nós, das nossas liberdades, segurança e direito a um futuro sem exploração". A luta destes ativistas é uma luta de todos os que trabalhamos e estamos envolvidos na proteção de refugiados. É uma luta para "preservar os laços solidários", pois "os sistemas de dominação são transcendentes e um mundo diferente pode ser imaginado se todos lutarmos lado-a-lado."
Criança pisa terra firme em Lesbos, Grécia, após vários dias no mar aberto. TRT World.
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