Os últimos anos têm sido extremamente desafiantes para todos, mas especialmente para a população refugiada. As consequências económicas e sociais da pandemia, juntamente com os efeitos da guerra na Ucrânia exacerbaram a precariedade e a vulnerabilidade das pessoas em risco, em particular dos refugiados. Para piorar a situação, o influxo de muitas pessoas à procura de proteção, depois da invasão da Ucrânia, levou à sobrelotação de centros e espaços para acolher refugiados. Esta é uma situação que se tem vindo a deteriorar desde 2015 e que agora atinge níveis desumanos. Muitos países debatem-se com dificuldades para garantir a proteção e o bem-estar de milhares de pessoas que foram forçadas a fugir dos seus países e que rumam à Europa para tentar sobreviver. Não obstante, o cenário que encontram e as condições às quais se vêem sujeitos são trágicas e lamentáveis, com profundas consequências para a sua saúde física e mental, obstruindo a reconstrução das suas vidas.
Na Bélgica, condições de asilo inaceitáveis obrigam centenas de pessoas a ficarem nas ruas da capital da Europa. Famílias inteiras, crianças, mulheres grávidas e pessoas vulneráveis estão a viver nas ruas, pois os centros de acolhimento estão cheios e não há alojamentos disponíveis. Estima-se que dois terços das pessoas que estão nos abrigos sem-abrigo sejam requerentes de asilo ou migrantes. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos já pediu ao governo belga, por duas vezes, medidas para providenciar alojamento a todas as pessoas em necessidade. Esta situação torna-se cada vez mais preocupante com o agravar das condições climatéricas no inverno. Além da situação de sem-abrigo para centenas de pessoas, muitas estão a ver-lhes dificultado ou negado o seu direito a pedir asilo. A Cruz Vermelha belga descreve a situação como "inaceitável, desumana e degradante" e muitas organizações acusam as autoridades de tomarem medidas ilegais e de criarem uma situação cada vez mais insegura e assustadora. Para muitas ONG, a justificação de saturação não é plausível, especialmente depois do esforço feito, por todos os países europeus, para conseguir acomodar milhares de ucranianos que fugiram da guerra.
Em setembro, na Irlanda, cerca de 200 pessoas também foram deixadas nas ruas. A maioria foi, entretanto, colocada em tendas mas esta situação permanece como um alerta para a realidade do acolhimento, num país que conseguiu acomodar cerca de 48.000 ucranianos. Também nos Países Baixos a situação deteriora-se de forma assustadora, com cerca de 300 requerentes de asilo obrigados a viver nas ruas. A crise no mercado imobiliário também deixou entre 15 mil a 17 mil pessoas sem possibilidade de saírem dos centros de acolhimento, por não conseguirem encontrar casa. As dificuldades atuais levaram o governo a planear alterar a lei de reunificação familiar, para incluir a obrigatoriedade de alojamento e reduzir a sua quota, para assim diminuir o número de requerentes de asilo. Esta notícia foi recebida com muitas críticas, desafiando a sua legalidade e praticalidade.
Também em Portugal, os refugiados vivem dificuldades no que toca a conseguir manter casa. O crescente aumento dos alugueres, a exigência de muita documentação - que os refugiados não têm - a difícil burocracia, assim como os despejos e as rejeições baseadas em ideias racistas e xenófobas, levam muitas famílias a temer um futuro medonho. A falta de autonomia, aliada à conduta danosa de alguns senhorios coloca muitas famílias em risco e a querer abandonar o país. Organizações, como o CPR, têm vindo a alertar para estas situações, cada vez mais recorrentes, especialmente após a pandemia.
A Europa vive uma crise no acolhimento, que se prevê intensificar com a deterioração das condições para receber pessoas que procuram proteção internacional. Esta é uma situação que se verifica a nível global, afetando milhões de pessoas. Chegámos a mais um recorde histórico de 103 milhões de pessoas que foram forçadas a fugir de suas casas. A intensificação de conflitos, da violência e de crises, aliadas ao aumento de regimes totalitários e da escassez e ineficácia das respostas, prenunciam o aumento exponencial de pessoas que precisam de proteção. Estas pessoas não são a crise, mas sim as respostas que têm sido insuficientes e mal geridas.
Os analistas entendem que a grande causa da crise europeia será a guerra na Ucrânia e não os requerentes de asilo, de países devastados por continuos conflitos e crises, que se dirigem por terra e por mar até aos países europeus para pedir proteção. No entanto, são estes últimos que sofrem com as consequências, personificados (mais uma vez) como os bodes expiatórios para mais uma crise. Prevê-se que esta tendência escale e que a situação fique mais dramática, visto que o número de pessoas desesperadas a tentar chegar à Europa tem vindo a aumentar.
Na raiz da crise no acolhimento estão muitas outras questões interligadas, nomeadamente a crise no mercado imobiliário, mas especialmente a falta de recursos que, por sua vez, tem por detrás uma falta de interesse generalizada em melhorar as condições para as pessoas que pedem proteção internacional.
É imperativo tomar medidas holísticas e coordenadas, com todas as entidades implicadas e ajustar os sistemas de acolhimento e de receção para conseguir dar condições básicas a todas as pessoas.
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